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Orçamento secreto de Bolsonaro: compra de trator vira obsessão no Congresso



Dos R$ 3 bilhões do orçamento destinado a parlamentares, ao menos R$ 271,8 milhões são gastos na aquisição de maquinário pesado


  A compra de máquinas pesadas virou uma obsessão do atual Congresso. Noorçamento secreto de R$ 3 bilhões de recursos do Ministério de Desenvolvimento Regionalque o governo terceirizou para deputados e senadores no final do ano passado, ao menos R$ 271,8 milhões foram para aquisição de tratores, retroescavadeiras e equipamentos agrícolas.

Os tratores foram os itens mais requisitados. As máquinas são destinadas a prefeituras para auxiliar nas obras em estradas nas áreas rurais e vias urbanas e nos projetos de cooperativas da agricultura familiar. Os parlamentares indicaram um gasto de R$ 15 milhões para a aquisição de 115 máquinas. Destas compras, apenas 12 estão previstas com preços dentro da tabela de referência do governo.

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O esquema montado pela equipe do presidente Jair Bolsonaro para se aproximar do Congresso jogou nas mãos de um grupo de deputados e senadores os recursos do ministério comandado por Rogério Marinho (sem partido-RN).

Ministério entrega máquinas pesadas no Amapá, em 2020; itens são destinados a redutos de parlamentaresFoto: DIVULGAÇÃO/MDR

Destinados geralmente a prefeituras de redutos dos parlamentares, as máquinas e equipamentos saíram na maioria das vezes acima do preço de referência estabelecido pelo próprio ministério, em cartilha válida para 2021. 

São dezenas de motoniveladoras, retroescavadeiras, carretas agrícolas, pás carregadeiras e caminhões, entre outros itens. Os autores das indicações são 37 deputados e cinco senadores. Entre eles, estão o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o ex-líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO).

Dos recursos do “planilhão”, o Ministério do Desenvolvimento Regional liberou R$ 2,8 milhões para a compra de quatro motoniveladoras em convênios indicados por Vitor Hugo. Pela tabela do governo, o custo dessas quatro máquinas sairia por R$ 500 mil a menos.

Do total de gastos com compras de máquinas e equipamentos agrícolas que a reportagem conseguiu rastrear, 361 itens têm valores acima dos preços de referência do governo, considerando a tabela deste ano. Não foi possível, porém, obter informações sobre uma boa parte das aquisições que serão feitas pelos órgãos vinculados ao ministério. A falta de detalhamento ocorreu especialmente nas compras da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).

Nos últimos dez anos, a ação orçamentária que inclui a compra de maquinários deu um salto em valores aplicados. O gasto passou de R$ 484 milhões em 2010 para R$ 4,5 bilhões em 2020, segundo ano de mandato de Bolsonaro. Pelo menos R$ 1 bilhão foi para a compra de equipamentos, incluindo tratores, no ano passado.

Dos R$ 132 milhões de compras de máquinas pesadas previstas no planilhão passíveis de análise, 81% do montante, isto é, R$ 107,1 milhões, foram para contratos identificados com preços acima da tabela do governo. O valor global é de R$ 23 milhões a mais do que se a compra respeitasse a tabela. 

 

 

Parlamentares indicam preços e modelos de tratores para compra

O deputado Charles Fernandes (PSD-BA), por exemplo, chegou a indicar até o CNPJ e o telefone para contato de uma associação beneficente à qual queria destinar uma retroescavadeira no interior da Bahia. O parlamentar escreveu que o item deve ser comprado por R$ 300 mil, o que supera em R$ 50 mil o preço de referência. 

Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira, pôde direcionar R$ 30 milhões só para o Dnocs. Com esse valor, o órgão está adquirindo 44 tratores agrícolas a preços superiores aos R$ 100 mil previstos na cartilha do ministério. No total, os itens custarão R$ 1,6 milhão a mais do que a referência. 

Os documentos demonstram que Lira ainda direcionou recursos para o governo de Mato Grosso (a 2.300 quilômetros em linha reta do seu reduto eleitoral) comprar seis carretas agrícolas, por preço total de R$ 138.060. Pela tabela do governo, as máquinas custariam R$ 60 mil. No total, Lira manejou R$ 114 milhões do orçamento secreto de Bolsonaro. No caso dos recursos do orçamento secreto, além do sobrepreço, parte dos convênios foi assinada pelo governo federal mesmo com pendências legais.

Motoniveladoras foi um dos itens mais caros

Máquina usada para nivelar terrenos, a motoniveladora foi um dos itens mais caros nas listas de compras indicadas por parlamentares. Com a “cota” do deputado Nelto (Podemos-GO) serão compradas quatro máquinas desse tipo por R$ 723 mil cada, quando o preço de referência é R$ 470 mil. O plano de compra nessas condições está aprovado pela Sudeco. O Estadão localizou a aprovação para a compra da mesma máquina, no mesmo dia, por R$ 584 mil cada. 

Fora do acordo para os políticos operarem o orçamento secreto, o Estadão encontrou vários registros de compras de tratores e máquinas agrícolas que seguem o preço de referência. Um convênio do Ministério do Desenvolvimento com o município de Nanuque (MG), por exemplo, registra a compra de uma motoniveladora no valor de R$ 462 mil, pouco menos que a referência, de R$ 470 mil.


 Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Ministério do Desenvolvimento Regionalreconheceu que os parlamentares definiram como e onde aplicar R$ 3 bilhões de verbas próprias da pasta. “Os recursos oriundos de emenda de relator-geral foram executados conforme definição do Congresso Nacional”, informou a pasta, referindo-se à nova modalidade de emenda, chamada RP9, criada no atual governo.

Num primeiro momento, o ministério atribuiu à Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov), então comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, a articulação envolvendo a destinação dos recursos do orçamento secreto.

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Atual ministro da Casa Civil, era Ramos quem fazia, até março deste ano, a ponte entre governo e Congresso. A secretaria negou essa versão. O ministério de Rogério Marinho, então, ajustou sua explicação e atribuiu a destinação ao Congresso. Procurada por e-mail, a assessoria da pasta não enviou resposta sobre o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter vetado o artigo que permitiria aos congressistas manejar os recursos. 

Entrega de máquinas tipo retroescavadeiras e pás-carregadeiras para municípios do Tocantins Foto: Adalberto / MDR / Divulgação

Tabela de referência

Sobre compras de tratores e outras máquinas agrícolas terem sido aprovadas acima da tabela de referência do ministério, válida para este ano, a pasta justificou que “não se trata de um normativo”, e sim de um “material de apoio” para propostas dos parlamentares. Válida para 2021, a tabela foi elaborada em 2019, segundo o ministério, o que justificaria variações de preço. O Estadão encontrou, contudo, exemplos de aprovação de compras respeitando o preço de referência. 

“Caso o valor do equipamento seja mais alto, será publicado um Termo Aditivo com aumento de contrapartida” do titular do convênio “para cobrir os custos necessários”, justificou o ministério. Apesar disso, a pasta não explicou por que, nos casos mostrados pela reportagem, disponibilizou os recursos acima dos valores de referência. Conforme a cartilha de emendas do ministério, a variação de preços deve ser bancada pelos municípios que irão receber os equipamentos, o que não ocorreu em ao menos 361 casos. 

O ministério informou, ainda, que se o valor sair menor do que a pasta autorizou pagar, quando ocorrer a licitação, os recursos serão devolvidos aos cofres públicos. 

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse, por meio de assessoria, que não fez indicação para a compra dos tratores no Paraná. “Não existe nenhum documento oficial do senador Davi tratando de recursos ou emendas em nome de qualquer parlamentar. Por esta razão, o senador não vai comentar sobre planilhas não oficiais.” De todos os parlamentares listados em documento do governo obtida pelo Estadão, Alcolumbre foi o único a negar a indicação. 

Questionado sobre R$ 277 milhões que pôde indicar, Alcolumbre afirmou que como presidente do Congresso tinha esse “papel de liderança” e atuava “para atendimento das demandas dos demais parlamentares, em procedimento rigorosamente dentro da legalidade”.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e o deputado Charles Fernandes não responderam aos questionamentos da reportagem.

O deputado Cláudio Cajado (Progressistas-BA) disse que tratou da indicação de R$ 12 milhões com a Secretaria de Governo, na época chefiada por Ramos, razão pela qual pediu em ofício à Codevasf “minha cota autorizada pela Segov”. Ele nega que os recursos sejam em troca de apoio a Bolsonaro. 

O deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO) disse que apenas garantiu a verba. “Daí em diante é com a prefeitura e o governo”, disse. A assessoria do deputado José Nelto (Podemos-GO) disse que o governo e as prefeituras são os responsáveis pela definição e execução dos valores.

Já o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) disse que “não houve sugestão de preços para aquisição de nenhum dos itens” e responsabilizou as prefeituras.

# fonte to estadão

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