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Os aplicativos de vídeos curtos estão mais em alta do que nunca. O TikTok hoje é uma das principais redes sociais do mundo e todos os seus principais rivais lançaram ferramentas para concorrer com ele: o Instagram tem o Reels, o Snapchat tem o Spotlight e o YouTube tem o Shorts
Aqui no Brasil, outra rede parecida também se popularizou bastante nos últimos meses: o Kwai. Assim como o rival famoso, a rede social é originária da China e foca em vídeos curtos para bombar entre os usuários. Ela conquistou muita gente em terras tupiniquins porque paga quantias em dinheiro para quem permanece interagindo com conteúdo diariamente e convida outras para adentrar na plataforma.
As demais redes não poderiam assistir passivas ao crescimento do Kwai, por isso também seguiram o mesmo caminho e possuem programas de monetização de conteúdo. O grande problema são as falsas expectativas que esse sistema cria no usuário, dando a entender que as pessoas podem enriquecer apenas estando na plataforma e completando ações simples, o que não é o caso.
O Kwai, por exemplo, costuma divulgar cifras astronômicas para cada ação. No caso das figurinhas colecionáveis da Panini, por exemplo, são esperadas a concessão de R$ 42 milhões para os participantes. Para conseguir todas as estampas, é necessário fazer muito mais do que a rede estabelece como tarefas diárias: se você não convidar centenas de pessoas para entrar, provavelmente não verá nem um percentual desse bolo prometido.
“Quando eu entrei no Kwai, pensava que ganharia bastante dinheiro. Sai chamando todo mundo e consegui levar umas 10 pessoas para a rede. Não juntei nem R$ 40 e hoje praticamente nem uso mais”, afirma Pedro Almeida, 21 anos, estudante universitário. Com a decepção, ele disse que tem preferido focar a atenção para outras plataformas onde seus amigos estão mais presentes.
A estudante Joana Garcia, 17 anos, diz que recebeu o convite de um amigo e viu como uma oportunidade de juntar uma poupança durante a pandemia. "Como a gente fica mais tempo em casa, eu pensei: por que não ganhar dinheiro com isso? Me senti enganada! Produzi vídeos e fiquei horas assistindo, mas o que ganhei mal dá para comprar um sanduíche", diverte-se a jovem.
Modelo duvidoso de publicidade
O chamado cashback por visualização e por convites tem causado controvérsia no âmbito de quem lida com publicidade digital. Isso porque essa modelagem tem sido acusada de violar diversos aspectos éticos do setor e até a legislação brasileira.
O Canaltech conversou com especialistas para entender melhor essa questão. Segundo a professora de comunicação Mônica Prado, do Centro Universitário de Brasília (CEUB), o maior problema seria a falta de transparência desse tipo de modelagem, o que caracterizaria propaganda falsa.
“A publicidade digital enganosa ou duvidosa se instala porque os termos não são transparentes e o ‘pote de ouro prometido ao final do arco-íris’ vai chegar a muito poucos — e quando chega o faz por sorte ou direcionamento do algoritmo”, explica. Segundo a professora, isso causa frustração em muita gente que adentra no serviço e acaba perdendo horas do seu dia sem ser devidamente remunerado, conforme alardeavam as propagandas.
Um exemplo é a “moedinha do Kwai”: para todo usuário novo, ela gira conforme se assiste aos vídeos para gerar recursos convertidos em dinheiro. Com o passar do tempo, no entanto, ela simplesmente para, sem qualquer aviso prévio ou orientação. A partir daí, a única forma de lucrar é convidando mais e mais pessoas para entrar na plataforma e produzindo conteúdo, mas isso não é dito de início pela plataforma.
Robotização do usuário e métricas fake
A internet é celebrada como um universo que permite uma interação nunca antes vista. Diferentemente da TV e do rádio, em que o consumo é passivo, as plataformas permitem curtir, comentar e interagir de diversos modos distintos. Só que esse sistema de cashback faz exatamente o inverso: ele coloca os usuários novamente como passivos, quase como robôs, cuja única tarefa é rolar a tela na busca por alguns trocados.
“Esse contexto me faz lembrar dos estudos do sociólogo francês Pierre Bourdieu sobre a televisão francesa (que depois foram generalizados) em que ele cunha a expressão de que os meios e o poder que exercem geram uma violência simbólica porque impõem uma visão estreita e limitada do mundo a seus telespectadores. As plataformas sociais, de certa forma, exercem essa violência simbólica sobre seus usuários”, analisa a professora Mônica Prado.
Outro problema diz respeito aos números inflados da plataforma. Ao atrair pessoas unicamente interessadas no dinheiro, TikTok e Kwai perdem o fator espontaneidade que sempre permeou as redes sociais. “Trata-se de uma audiência fictícia — similar aos robôs comprados para inflar número de seguidores no Instagram —, que não está verdadeiramente interessada no seu conteúdo e que não vai gerar retorno para ninguém, em especial para as empresas anunciantes”, explica a especialista em redes sociais Rejane Evaristo.
Segundo ela, a médio prazo, isso pode fazer com que as plataformas caiam no limbo, porque essa construção artificial tende a desmoronar quando o bônus acabar. “Quando os anunciantes notarem que o engajamento é puramente fictício, sem gerar vendas para seus produtos e serviços, a tendência será abandonar a plataforma”, prevê a profissional.
Um exemplo citado por Evaristo são os influenciadores digitais do Instagram. Antes, toda marca queria pessoas com milhões de seguidores, mas atualmente o cenário é outro. “Muitas empresas perceberam ser vantajoso fazer campanhas com 'nanoinfluenciadores', pessoas com 20 ou 30 mil seguidores, do que com as estrelas do Insta. Além do investimento ser menor, as vendas geradas por eles costumam ser proporcionalmente bem maiores”, conclui.
Qual é a solução?
A educação midiática permite construir capacidades para que o cidadão caminhe pelo ambiente digital com mais segurança e ganhe uma massa crítica para observar o comportamento das plataformas. É necessário refletir sobre até que ponto elas estão se desviando das funções sociais que dizem ter.
“Esses novos tempos de internet, em que o que manda é o dinheiro e o quanto a plataforma pode ganhar financeiramente, somente educação midiática permitirá que o cidadão não se torne refém e se veja emaranhado nessa teia”, conclui a professora Mônica Prado.
A dica do Canaltech para quem deseja adentrar nessas plataformas é fazê-lo porque gosta e não esperando o retorno financeiro. Se você costuma produzir vídeos engraçados ou curiosos, terá grandes chances de fazer sucesso, mas é impossível garantir a viralização ou o enriquecimento a partir disso. Entre, divirta-se e interaja com o que considera relevante, mas sem colocar muita pressão nisso, assim você evita a decepcção.
O que você acha do sistema de monetização? Já se sentiu enganado por ele ou conseguiu tirar um bom retorno? Compartilhe sua experiência no campo de comentários ou cite o CT nas redes sociais.
Fonte canaltech
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