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Quando os cidadãos definem o orçamento: lições da Grécia antiga



A história mostra que incluir o povo na definição orçamentária é positivo e resulta em contas mais equilibradas
The Conversation
Por David M. Pritchard e Lyn Carson*
Nos dias atuais, representantes eleitos tomam difíceis decisões sobre as finanças públicas a portas fechadas. Ao fazê-lo, políticos democráticos contam com conselhos de burocratas financeiros, que, muitas vezes, satisfazem as necessidades políticas do governo eleito. Raramente os políticos perguntam aos eleitores o que eles pensam das opções de orçamento.
Os políticos não são muito melhores em explicar as razões para um orçamento. Os esclarecimentos geralmente não passam de frases vazias, como “empregos e crescimento”. Eles nunca explicam as difíceis contrapartidas presentes em um orçamento, nem o seu raciocínio financeiro geral.
Essa relutância em explicar as finanças públicas ficou muito evidente durante a crise financeira global.
Na Austrália, Reino Unido e França, governos de centro-esquerda emprestaram enormes somas de dinheiro para manter a demanda privada e, em um caso, apoiar bancos privados. Em cada um destes países, essas políticas ajudaram a minimizar muito os custos humanos da crise.
Ainda assim, nas eleições seguintes os políticos de centro-esquerda que introduziram essas políticas se recusaram a justificá-las adequadamente. Eles temiam que os eleitores não tolerariam uma discussão robusta sobre finanças públicas. Sem uma justificativa para suas políticas geralmente boas, cada um destes governos foi derrotado por oponentes de centro-direita.
Na maioria das democracias, há o mesmo problema subjacente: os representantes eleitos não acreditam que os eleitores possam tolerar a realidade financeira. Eles assumem que a democracia não é boa na gestão das finanças públicas. Para eles, ela só pode equilibrar o orçamento deixando os eleitores às cegas.
Durante décadas, estudamos de forma independente a democracia atual e no passado antigo. Aprendemos que esta suposição está incorreta. Há inúmeros exemplos de como o envolvimento de eleitores comuns resulta em melhores orçamentos.
Em 1989, conselhos em municípios brasileiros pobres começaram a envolver residentes na definição de orçamentos. Esse orçamento participativo logo se espalhou por toda a América do Sul. O mecanismo já foi também testado com sucesso na Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, Suécia, Estados Unidos, Polônia e Austrália, e alguns projetos piloto foram criados na França.
O orçamento participativo é baseado no princípio claro de que aqueles que serão mais afetados por um orçamento duro devem estar envolvidos em sua definição.
Apesar do tamanho sucesso desses experimentos democráticos, representantes eleitos ainda evitam envolver eleitores comuns na definição orçamentária. Isso é bem diferente do que ocorria na antiga Atenas há 2,5 mil anos.

Acropolis, em Atenas, capital da Grécia. Foto: Gabriel Bonis
Como os antigos atenienses faziam
Na democracia ateniense, cidadãos comuns definiam o orçamento. Aquele antigo Estado grego possuía um orçamento sólido, apesar de, ou, diria, por causa do envolvimento dos cidadãos na tomada de decisões orçamentárias difíceis.
Atenas Antiga era um Estado incrivelmente bem sucedido. Ele desenvolveu a democracia a um nível mais elevado do que qualquer outro Estado antes dos tempos modernos. Era o principal inovador cultural dos tempos clássicos. A Atenas democrática rapidamente tornou-se uma superpotência militar. Esses sucessos não foram baratos. Eles dependiam da capacidade em angariar novos impostos e controlar gastos públicos.
A democracia ateniense demandava discussões francas sobre esse gasto público. Esta exigência está no cerne do seu surpreendente sucesso no equilíbrio orçamentário. Nessa democracia direta, os participantes da assembleia votavam a favor ou contra cada política.
A assembleia ateniense se reunia 40 vezes por ano, c0m 20% dos eleitores sempre comparecendo. Havia, portanto, uma grande diferença em relação aos dias atuais: os cidadãos comuns regularmente frequentavam reuniões para discutir e decidir sobre as finanças públicas.
Os participantes da assembleia ateniense esperavam que um político que apoiasse uma política estimasse seu custo com precisão. Ele tinha que demonstrar se ela era sustentável. Muitas vezes, era confrontado com argumentos de políticos rivais defendo que tal política não era sustentável. Em resposta, tinha que dizer como o custo poderia ser reduzido ou um novo imposto introduzido.
Na Atenas Antiga, os políticos certamente não acreditavam que eleitores comuns não pudessem tolerar a realidade financeira. Eles muitas vezes convenciam os eleitores a aumentar impostos ou a reduzir benefícios pelo bem maior.
Definindo o orçamento hoje
Atualmente, na maioria dos exercícios de orçamento participativo, eleitores comuns normalmente deliberam sobre apenas uma parcela de um orçamento. Em 2014, no entanto, um conselho local na Austrália conduziu o processo de forma diferente.
A cidade de Melbourne pediu a um grupo de pessoas comuns para ajudar a definir todo o orçamento de 2,5 bilhões de euros. O grupo foi uma seleção transversal aleatória dos residentes locais. O conselho concedeu aos escolhidos acesso completo aos seus registros financeiros e burocratas financeiros.
Durante três meses, esses eleitores comuns se reuniram regularmente para discutir o orçamento. Após quarenta horas de deliberação, eles conseguiram definir as prioridades de gastos e fazer recomendações sobre impostos locais. Eles encontraram soluções orçamentarias que ninguém havia pensado sobre antes da deliberação.
Para a surpresa de todos, eles recomendaram aumentos de impostos e até mesmo a venda de ativos públicos subutilizados. Eles também estabeleceram limites para as vendas dos ativos: consideraram que a coleta de resíduos era um serviço vital para a comunidade local e, portanto, nunca deveria ser vendida. A cidade de Melbourne incorporou em seu orçamento de dez anos grande parte do que o grupo tinha definido.
Três lições importantes
A partir destes dois exemplos, podemos tirar três lições importantes. Primeiro, um debate público rigoroso sobre as finanças públicas é essencial. Na Atenas Antiga, a discussão franca eliminava políticas não sustentáveis. Ela estabeleceu as bases para aumentos de impostos que eram necessários para financiar outras políticas. Em Melbourne, os debates de cidadãos comuns ajudaram o conselho a aumentar impostos locais e a manter importantes serviços em mãos públicas.
Em segundo lugar, representantes eleitos não devem ter medo de falar com os eleitores sobre a realidade financeira. Envolver os eleitores comuns em debates de finanças públicas de fato ajuda a construir um consenso para reformas difíceis. Os eleitores atenienses não puniam os políticos por impostos mais elevados porque eles mesmos haviam votado por essas medidas.
Em terceiro lugar, a democracia grega antiga foi surpreendentemente eficaz em resolver crises orçamentárias.
Desde que os políticos modernos sejam destemidos o bastante para falar sobre as finanças públicas, não há razão para que as democracias contemporâneas não possam se espelhar na experiência ateniense. Ao invés de tentar vender seus orçamentos com frases vazias, representantes eleitos fariam melhor se falassem abertamente sobre problemas orçamentários e ouvissem as boas soluções que eleitores comuns têm.
*David M. Pritchard é pesquisador na Universidade de Strasbourg, França. Lyn Carson é diretora de pesquisa na The newDemocracy Foundation, na Western Sydney University, Austrália. 
Este texto foi originalmente publicado em The Conversation. A versão original, em inglês, pode ser lida aqui.

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