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É difícil entender a prisão de Collor com Lula na Presidência e Sergio Cabral debochando dos brasileiros em sua cobertura no Rio

 Os três foram condenados na mesma Operação Lava-Jato e em seus desdobramentos




Você não precisa gostar de Fernando Collor para sentir um estranhamento diante de sua prisão, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes depois de se esgotarem todos os recursos no Supremo Tribunal Federal. Quem acompanhou o impeachment de Collor em 1992 achava que havia razões para prendê-lo à época, mas ele só perdeu o mandato e os direitos políticos por oito anos


A Prisão de Collor e a Justiça que Não se Explica

A notícia da prisão do ex-presidente Fernando Collor, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes após o esgotamento de todos os recursos no Supremo Tribunal Federal, causou mais do que surpresa: provocou um sentimento de estranhamento — e até de indignação — em muitos brasileiros. Não por se tratar de Collor, cuja trajetória política está longe de ser exemplo de lisura. Mas pelo contraste brutal entre o seu destino e o de tantos outros nomes que, igualmente condenados pela Operação Lava-Jato e seus desdobramentos, continuam livres, circulando tranquilamente por aí, como se nada tivessem feito.

A contradição salta aos olhos. Não é preciso ser admirador de Collor, tampouco minimizar os crimes pelos quais foi condenado. Mas é impossível não se perguntar: por que ele está preso enquanto tantos outros escaparam? O que há de diferente em seu caso que justifique a prisão imediata, quando o país assistiu — com perplexidade crescente — à anulação de condenações de nomes muito mais influentes e centrais nos escândalos de corrupção?

Talvez o caso mais simbólico dessa discrepância seja o do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Após cumprir pena em Curitiba, teve todas as condenações anuladas pelo Supremo sob a justificativa de que o foro era inadequado. A justificativa jurídica foi a de que ele deveria ter sido julgado em Brasília, e não na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Lava-Jato. Isso, somado à revelação do conluio entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, criou um ambiente propício à revisão de seu caso.

Mas e quanto a Sergio Cabral? O ex-governador do Rio de Janeiro foi condenado a mais de 400 anos de prisão. Foram mais de 20 processos, com provas robustas, delações, rastreamento de dinheiro, imagens de joias, evidências de ostentação e uma vida nababesca bancada pelo dinheiro desviado dos cofres públicos. Cabral é talvez o símbolo mais escancarado da corrupção sem limites que assolou o Brasil. Ainda assim, está em casa, vivendo bem, comendo do bom e do melhor na sua cobertura de luxo no Leblon, enquanto Collor — condenado por propina de "apenas" R$ 20 milhões — vai para trás das grades.

Não se trata de defender Collor, mas de apontar a incoerência gritante de um sistema de justiça que parece aplicar a lei com pesos diferentes, conforme o réu. Para quem vê de fora, parece haver um critério invisível — e seletivo — que define quem paga e quem escapa.

Lembremos de Antonio Palocci, que colaborou com a Justiça, entregou nomes, ajudou a costurar as narrativas da delação premiada e agora aguarda a liberação de recursos para, segundo seus planos, curtir a aposentadoria na Itália. José Dirceu, condenado e reincidente, segue atuando nos bastidores da política nacional com desenvoltura. Marcelo Odebrecht, peça-chave no esquema das empreiteiras, vive discretamente, assim como seu pai, Emílio. Leo Pinheiro, o empreiteiro da OAS, chegou a ser protagonista da condenação de Lula, mas hoje é figura apagada da cena pública. Todos eles — à sua maneira — estão soltos.

O que explica, então, que Collor seja preso enquanto tantos outros réus da mesma operação estão livres? A resposta técnica é que o processo de Collor correu no foro adequado, seguiu todos os ritos processuais, teve condenação em última instância no Supremo, e o réu não tem mais prerrogativas legais para evitar a prisão. Ou seja, cumpriu-se a lei. Mas essa mesma lei que se aplica com precisão cirúrgica em um caso parece se desmanchar em fumaça em outros.

Essa disparidade é o que corrói a confiança do cidadão comum no sistema judiciário. A sensação generalizada é de que as leis foram feitas para confundir, e não para proteger. Que os vereditos são moldados por estratégias jurídicas, conexões políticas e conveniências de ocasião — não pela busca imparcial da verdade e da justiça.

O Brasil está cansado de saber que a Lava-Jato, embora tenha sido um marco no combate à corrupção, se perdeu em seus próprios erros. O excesso de protagonismo de Moro e Dallagnol, a politização das investigações, os abusos processuais e a falta de freios internos abriram espaço para a desmoralização de seus resultados. Mas isso não significa que todos os seus frutos eram podres. Havia provas, havia dinheiro rastreado, havia crimes confessos. Jogar tudo fora é mais do que uma revisão judicial — é uma revisão moral, que parece querer apagar o passado.

Neste contexto, a prisão de Collor surge como um ponto fora da curva. Ele é o exemplo do que deveria acontecer com todos os condenados que passaram por todas as instâncias e tiveram amplo direito de defesa. Mas a realidade é que, no Brasil de hoje, ele é a exceção. E isso diz muito mais sobre a justiça brasileira do que sobre o próprio Collor.

Talvez valha reler A Organização, o livro-reportagem de Malu Gaspar que mergulha nos bastidores da Odebrecht e revela, com riqueza de detalhes, como o sistema corrupto se estruturou e sobreviveu por décadas, protegido por pactos de silêncio e alianças poderosas. Lá está, documentada, a estrutura da corrupção como método de governo e de negócio. E, paradoxalmente, também está lá a explicação para o porquê de tantos estarem soltos.

Enquanto isso, o cidadão comum tenta entender por que a Justiça que se faz no Supremo, em Brasília, é tão diferente daquela que se faz nas ruas, nas favelas, nas pequenas cidades do interior. A resposta talvez esteja não nas leis, mas em quem as interpreta.

A prisão de Collor é, sim, juridicamente correta. Mas também é um lembrete gritante de que justiça, no Brasil, ainda é uma questão de sorte, de timing e de quem você conhece.



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