A última mensagem que Chris Wong recebeu de sua mãe de 72 anos foi um lembrete gentil para que ela se agasalhasse bem quando as temperaturas mais frias chegassem a Hong Kong.
Algumas horas depois de sua postagem no grupo de WhatsApp da família, o prédio de apartamentos da mulher frágil era um grande inferno. Ela está entre as 200 pessoas desaparecidas em uma tragédia que já causou pelo menos 128 mortes.
Mais de um terço dos moradores do Wang Fuk Court, o conjunto habitacional subsidiado que pegou fogo na quarta-feira, tinha mais de 65 anos, bem acima da média de 20% em toda a cidade densamente povoada.
SOZINHA NO 21º ANDAR
A mãe de Wong, que tinha problemas nas articulações e dificuldade para andar, estava sozinha no 21º andar de uma das sete torres engolidas pelo pior incêndio da cidade em mais de 80 anos.
"Quando o fogo começou, corri para lá... Consegui ver o lado de fora do nosso apartamento e ele estava coberto de chamas. Havia fogo por toda parte", disse Wong, encolhida junto ao seu pai e sua irmã mais velha em cadeiras de plástico em um abrigo do lado de fora das torres em chamas na quinta-feira.
"Fiquei ali chamando e mandando mensagens para minha mãe, mas só havia silêncio", acrescentou ela, chorando.
Chim, uma mulher de quase 60 anos que pediu para ser identificada pelo sobrenome, foi uma das que teve sorte.
Ela estava assistindo à televisão com o marido em seu apartamento no 15º andar quando ouviu uma comoção do lado de fora. Ela abriu a janela e viu os andaimes de bambu do bloco ao lado em chamas e faíscas flutuando em direção ao seu prédio com o vento.
"Fogo! Rápido, saiam!", ela se lembra dos vizinhos gritando. Ela só teve tempo de pegar algum dinheiro e sua bengala antes de pegar o elevador e descer em segurança.
LAR POR MAIS DE 40 ANOS
Do lado de fora, o casal de idosos assistiu, horrorizado, ao apartamento em que moravam há mais de 40 anos ser lentamente engolido pelas chamas.
"Descemos e ficamos observando o fogo. Ficamos olhando o incêndio. Não havia mais nada que pudéssemos fazer, apenas observamos e torcemos para que não continuasse queimando", disse Chim.
Os apartamentos, construídos em 1983, faziam parte de um programa de moradias populares que visava ajudar moradores de baixa renda a adquirir um imóvel em um dos mercados imobiliários mais caros do mundo.
Cerca de 37% dos 4.643 residentes do complexo têm agora 65 anos ou mais, disse a corretora de imóveis Centaline, citando os últimos dados do censo.
Os moradores do complexo habitacional reclamaram por mais de um ano sobre os riscos de incêndio causados pelas obras de reforma, segundo uma investigação da Reuters.
Um deles apontou a dificuldade que os residentes idosos enfrentariam para escapar em caso de acidente, enquanto outro disse que os painéis de espuma que cobriam as janelas deixariam muitos idosos, sozinhos e imóveis, na escuridão, de acordo com um fórum para residentes no Facebook visto pela Reuters.
A polícia disse que havia prendido três funcionários da empresa de construção sob suspeita de homicídio culposo pelo uso de materiais inseguros, incluindo a espuma inflamável. A empresa não respondeu aos pedidos de comentários. A Comissão Independente Contra a Corrupção prendeu outros oito na sexta-feira.
"ELES NÃO CONSEGUIRAM"
A ex-mulher de David Ho, de 73 anos, e seu filho, que morava em um andar alto de uma das torres, também estão entre os desaparecidos, disse ele à Reuters, sentado sozinho em um banco de praça, olhando para as torres queimadas nesta sexta-feira. A última vez que ele teve notícias do filho foi em 20 de novembro, aniversário do filho, quando ele escreveu de volta "obrigado, pai".
"Sou uma pessoa positiva e despreocupada. Se isso não acontecesse, eu viveria feliz. Antes eu ia a centros de idosos e andava de bicicleta por toda parte, mas agora não quero fazer nada. Sinto-me muito triste", disse o aposentado de 75 anos. "Está claro que eles não conseguiram."
Michelle Liu, uma conselheira voluntária, passou a maior parte do dia percorrendo parques e abrigos ao redor dos prédios queimados, oferecendo apoio às famílias e aos muitos idosos afetados pelo desastre.
"Eles estavam bastante emocionados, percebi que, às vezes, o dinheiro é importante para eles, mas o mais importante é que alguém esteja lá com eles nesse momento difícil para acompanhá-los", disse ela.
"As pessoas aqui se sentem um pouco perdidas no momento, especialmente aquelas com quem conversei. Elas não sabem o que vai acontecer com elas."
COLETA DE ROUPAS, ROUPAS DE CAMA E MEDICAMENTOS
Alguns residentes idosos fizeram fila em um posto médico em um abrigo para obter novos suprimentos de medicamentos para doenças crônicas, incluindo pressão alta e diabetes, enquanto outros se abasteceram de suprimentos gratuitos oferecidos por voluntários em um conjunto habitacional adjacente, incluindo roupas e lençóis.
Chris Wong disse que ficou seis horas olhando impotente para o prédio em chamas e tentando entrar em contato com sua mãe enquanto o incêndio se alastrava.
"Eu me senti completamente desamparada... minha mãe não conseguia andar direito, tinha problemas nas articulações dos dois joelhos... e não havia ninguém para ajudá-la."
Seu pai, que estava fora de casa quando ocorreu a tragédia, acrescentou: "Não ouvimos nada. Temos que aceitar a realidade aos poucos".
Por que incêndio em condomínio de Hong Kong foi tão devastador, com mais de 128 mortos
Um incêndio devastador destruiu um condomínio em Hong Kong e deixou ao menos 128 mortos na quarta-feira (26/11). Foi o incêndio mais letal na cidade desde os anos 1960.
Há registros de 79 pessoas feridas, 89 corpos não identificados e milhares de moradores em abrigos de emergência.
Segundo a agência de notícias Reuters, há ainda cerca de 200 desaparecidos.
Imagens mostram vários blocos ainda em chamas e uma densa coluna de fumaça, que domina o horizonte do território chinês.
Três homens foram detidos sob suspeita de homicídio culposo (sem intenção de matar), e uma investigação foi aberta, segundo a imprensa local.
O presidente chinês, Xi Jinping, expressou condolências às vítimas, entre elas um "bombeiro que morreu em serviço", segundo a mídia estatal chinesa.
A causa do incêndio ainda é desconhecida. Eis o que se sabe até agora.
1. Onde e quando o incêndio começou?
O fogo teve início em Wang Fuk Court, um grande conjunto residencial no distrito de Tai Po, em Hong Kong, às 14h51 de quarta-feira (26/11) no horário local.
O condomínio Wang Fuk Court tem oito torres de 31 andares cada uma. Sete foram atingidas pelo incêndio, segundo Mui Siu-fung, conselheiro de distrito de Tai Po, à BBC China.
Construídos em 1983, os prédios passavam por uma renovação quando o incêndio começou.
Tai Po é um distrito residencial no norte de Hong Kong, próximo à cidade de Shenzhen, na China continental.
O conjunto tem 1.984 apartamentos para cerca de 4.600 moradores, quase 40% com 65 anos ou mais, segundo censo governamental de 2021.
Alguns moradores vivem nessa habitação pública desde que foi construída.

2. O que causou o fogo?
A causa do incêndio é desconhecida, mas uma investigação preliminar apontou que a velocidade de propagação das chamas foi incomum, disse o secretário de Segurança de Hong Kong na manhã de quinta-feira (27/11).
A polícia encontrou, na parte externa dos prédios, materiais de malha e folhas de plástico que, em tese, não seriam inflamáveis.
Também localizaram poliestireno (isopor) nas janelas, o que, somado a outros materiais de construção, provavelmente contribuiu para a rápida expansão do fogo.
Três homens, de 52 a 68 anos, foram detidos sob suspeita de homicídio culposo em conexão com o incêndio; dois são diretores de uma empresa de construção e o terceiro, consultor de engenharia.
Segundo um porta-voz da polícia, os investigadores estavam analisando supostas ações, ou omissões, de executivos da empresa.
"Temos motivos para acreditar que os responsáveis agiram com negligência grave, o que provocou o acidente e permitiu que o fogo se espalhasse de forma incontrolável, resultando em numerosas vítimas", afirmou.
A imprensa local também citou moradores que dizem que os alarmes de incêndio do prédio não foram acionados.
3. Quão grave é o incêndio?
Este é o incêndio mais letal de Hong Kong em pelo menos 63 anos e foi classificado como de nível cinco, o grau máximo de severidade.
Quarenta minutos depois do primeiro alerta, o fogo já havia sido elevado ao nível quatro. Às 18h22, cerca de três horas e meia depois, o nível voltou a subir.
A imprensa local informou que era possível ouvir explosões dentro do prédio e que as mangueiras de combate ao fogo não alcançavam facilmente os andares superiores.
A intensidade do calor impediu a entrada de bombeiros nos edifícios para operações de resgate, disse à imprensa Derek Armstrong Chan, subdiretor dos serviços de bombeiros.
No total, 767 bombeiros atuaram no local, com 128 caminhões de combate a incêndio, 57 ambulâncias e cerca de 400 policiais.

4. O que se sabe sobre as vítimas?
O serviço de bombeiros informou que perdeu contato com ele às 15:30 e, cerca de meia hora depois, descobriram que havia desmaiado. Ele foi levado para o hospital, mas morreu pouco depois.
"Estou profundamente triste com a morte desse bombeiro dedicado e corajoso", disse Andy Yeung, diretor do serviço de bombeiros.
Ao menos um outro bombeiro está hospitalizado, segundo o serviço de bombeiros de Hong Kong.
De acordo com a imprensa local, policiais têm ajudado moradores a procurar parentes usando um alto-falante.
5. O que tornou o incêndio tão devastador?
As torres de Wang Fuk Court estavam cobertas por andaimes de bambu e telas verdes de obra até os telhados, pois passavam por renovação.
A polícia atribui a rápida propagação das chamas aos materiais usados na reforma, como a telas, folhas de plástico e poliestireno.
Ainda não se sabe o que causou o incêndio, mas, qualquer que seja a origem, uma tela adequada na parte externa dos prédios teria sido decisiva para evitar que o fogo avançasse, disse Jason Poon, presidente da ONG de construção China Monitor, ao veículo de imprensa Initium Media. Ele afirmou que telas de baixa qualidade podem fazer o fogo se espalhar rapidamente.
Outro engenheiro disse ao Initium Media acreditar que a maioria das telas usadas na construção em Hong Kong não é feita de material retardante de fogo.
Nos andaimes também costuma haver papelão, entulho e solvente de tinta, o que, somado ao clima seco, pode acelerar a propagação, acrescentou o engenheiro.
Um especialista em segurança contra incêndios ouvido pela BBC afirmou que os andaimes de bambu, comuns na paisagem urbana da cidade, também contribuíram para alimentar as chamas.
Reportagens da imprensa local em março disseram que a pasta de desenvolvimento do governo vinha tentando eliminar gradualmente o uso do bambu por questões de segurança.
O avanço do uso de metal no lugar do bambu ganhou força após uma série de mortes relacionadas a andaimes em Hong Kong.
O professor Jiang Liming, da Universidade Politécnica de Hong Kong, também observou que os blocos de Wang Fuk Court são "relativamente antigos", construídos nos anos 1980, e que "as janelas de vidro não são tão resistentes ao fogo".
"Prédios modernos têm janelas de vidro duplo, mas, neste caso, talvez tenham usado apenas uma camada… (o que faz com que) as chamas as quebrem com facilidade e possam então entrar pela fachada."

6. Onde serão alojados os moradores evacuados?
Vários abrigos de emergência foram abertos para receber os moradores que foram evacuados, segundo o governo. O jornal South China Morning Post informou que um deles — no Centro Esportivo de Tung Cheong Street — estava lotado, e os residentes foram orientados a buscar outros locais.
Outro abrigo, o Salão Comunitário de Kwong Fuk, logo em frente ao conjunto habitacional, foi considerado inseguro. Os evacuados foram levados para um abrigo mais distante.
Gemini Cheng, repórter da BBC China, viu moradores idosos, alguns com bengalas ou em cadeiras de rodas, chegando a esses abrigos.
Ao menos 900 pessoas estão nesses locais temporários, informou a agência AFP, citando Lee.
Seis escolas em Tai Po ficaram fechadas na quinta (27/11), anunciou o Departamento de Educação, que listou as unidades afetadas em seu site.
Um centro de apoio e acompanhamento de emergência está em operação para gerir o impacto do incêndio, disse em comunicado o secretário de Segurança, Tang Ping-keung.
A polícia de Hong Kong abriu uma linha direta para que o público consulte possíveis vítimas.
*Com informações adicionais de Jack Lau, da Unidade Global de China da BBC, e de Gemini Cheng, da BBC China em Hong Kong.


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